O novo CPC entrou em vigor em março de 2016. Desde então, juízes e juízas Brasil afora passaram a encontrar nas petições iniciais mais erros e impropriedades que impedem o devido prosseguimento do processo, caso não sejam sanados. Em algumas varas, seis de cada dez petições iniciais apresentam problemas.
Juízes emendam inicial com frequência
A reportagem do JOTA ouviu sete juízes (das esferas estaduais, federal e da Justiça especial trabalhista) para saber quão recorrente é o pedido de emenda à inicial na rotina de cada um deles.
O juiz Fernando Gajardoni, professor de Processo Civil da USP e juiz da vara única da comarca de Patrocínio Paulista, é um dos magistrados que estima pedir emendas em aproximadamente 60% das petições iniciais cíveis que chegam em seu gabinete.
Segundo ele, uma das principais razões para um número tão elevado é o não cumprimento do artigo 319 do Novo Código de Processo Civil, que estabelece os requisitos básicos de uma petição inicial.
Dispositivo da Lei nº 13.105/15
Diz o artigo em questão:
Art. 319. A petição inicial indicará:
I – o juízo a que é dirigida;
II – os nomes, os prenomes, o estado civil, a existência de união estável, a profissão, o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas ou no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica, o endereço eletrônico, o domicílio e a residência do autor e do réu;
III – o fato e os fundamentos jurídicos do pedido;
IV – o pedido com as suas especificações;
V – o valor da causa;
VI – as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados;
VII – a opção do autor pela realização ou não de audiência de conciliação ou de mediação.
§ 1o Caso não disponha das informações previstas no inciso II, poderá o autor, na petição inicial, requerer ao juiz diligências necessárias a sua obtenção.
§ 2o A petição inicial não será indeferida se, a despeito da falta de informações a que se refere o inciso II, for possível a citação do réu.
§ 3o A petição inicial não será indeferida pelo não atendimento ao disposto no inciso II deste artigo se a obtenção de tais informações tornar impossível ou excessivamente oneroso o acesso à justiça.
Erros comuns dos advogados
Um dos erros mais comuns é quando o advogado pede gratuidade Judiciária e não indica a profissão do autor. “É um dado que é muito relevante para o juiz verificar se o pedido faz sentido”, avalia Gajardoni.
Outro problema, afirma o juiz, é quando não é mencionado o valor desejado em casos de danos morais ou quando o autor simplesmente chuta um valor, quando o dano é material. “Este valor tem que ser comprovado com base em notas fiscais e orçamentos, o que não acontece na maior parte das vezes”.
O número de emendas também chega a 60% dos casos para Alexandre Abreu, juiz da 15° vara cível de São Luís, no Maranhão. Além dos casos citados por Gajardoni, Abreu relata também a falta de documentos indispensáveis à propositura da ação.
Justiça do Trabalho com menos formalismos
De acordo com o juiz Marcos Scalercio, do Tribunal Regional do Trabalho da Segunda Região (TRT-2), a Justiça do Trabalho privilegia a simplicidade nas petições iniciais já que os requisitos do processo comum trabalhista exigem menos formalismos.
“Como não se cobra a mesma formalidade se compararmos à Justiça Estadual e Federal, o rigor do juiz acaba sendo inferior do que nas outras áreas e a quantidade de emendas tende a ser menor”, afirma.
Número elevado de petições iniciais com emenda
Ainda assim, Scalercio pede emendas em 30% das petições iniciais que recebe. “ Não há como negar que este número é alto. A Justiça do Trabalho já não cobra muito do advogado e mesmo assim há petições erradas”, diz o juiz.
Uma questão corriqueira é quando o advogado abusa do “Ctrl+C, Ctrl+V” e acaba copiando o conteúdo de outra petição de maneira equivocada. “Já vi casos em que o advogado pediu reintegração ao emprego de um trabalhador que havia morrido. Na verdade, ele queria era pedir uma indenização pela morte, mas confundiu as petições e colou um trecho errado”, diz Scalercio.
Advogados também requerem emendam a inicial
Para Fábio Moterani, também juiz do TRT-2, há dois fatos que se destacam envolvendo as petições iniciais trabalhistas. O primeiro deles é quando o próprio advogado solicita um prazo para retificar a inicial.
“Isso acontece principalmente depois da audiência, quando é necessário questionar as partes a respeito dos fatos, e o advogado percebe que as respostas dos clientes são diferentes do que foi colocado na petição inicial”, disse.
O segundo caso, menos comum, envolve de fato um pedido do juiz para correção da inicial. “Existem muitos pedidos que apresentam problemas de coesão e coerência redacional. A inicial acaba se perdendo nos seus tópicos e não fica logicamente adequada”, afirmou Moterani.
Crescimentos das emendas às petições iniciais e o Novo CPC
De acordo com a juíza Laura de Mattos Almeida, titular da 29ª Vara Cível Central de São Paulo, o crescimento das emendas às petições iniciais é consequência do novo Código de Processo Civil (CPC). “Os advogados ainda estão se adaptando aos novos procedimentos. Muitos foram modificados e outros não existem mais”, afirmou.
Para a juíza, um dos casos de necessidade de emenda à inicial mais comum envolve processos de revisão de financiamento de veículos em que o autor não junta cópia do contrato junto com a petição.
O juiz federal Antônio César Bochenek também acredita que o novo CPC tenha influência nos números de emendas às iniciais. “O próprio CPC determina que as partes fundamentem a sua demanda com o maior número de informações possíveis e detalhamentos sobre a legislação. Acredito que isso elevou a exigência sobre os advogados”, afirmou.
Rigidez dos juízes causa excesso de formalismo nos processos
Por outro lado, o Novo CPC também exige que o juiz conceda o prazo de 15 dias para a emenda ser realizada quando os vícios da inicial são sanáveis. “Muitos colegas de profissão não davam a oportunidade de emenda da inicial. Agora, isso mudou, é uma exigência”, afirma o juiz David Meneses, que atua na Comarca de Barão de Grajaú, no interior do Maranhão.
Na visão do advogado processualista Luiz Dellore, professor de Direito Processual do Mackenzie, não é bom que um juiz seja extremamente rígido em relação à inicial. Para ele, muita rigidez do juiz pode causar um excesso de formalismo nos processos. “Já soube de casos de juiz que mandou o autor emendar a petição inicial para incluir e-mail, e se ele não tivesse, deveria criar um. O juiz até indicava sites de e-mails gratuitos”, diz.
Os juízes ouvidos pela reportagem, por outro lado, recomendam que os advogados antes de protocolar a inicial façam um check-list nos artigos 319 e 320 do novo CPC, onde estão elencados os requisitos da petição. Caso contrário, ela poderá engordar a estatística das iniciais emendadas.
Autor: Alexandre Leoratti
Fonte: https://jota.info/advocacia/juizes-pedem-emenda-de-inicial-em-ate-60-de-casos-civeis-12092017