Ninguém é culpado até que se prove o contrário. A frase, da Declaração Universal dos Direitos Humanos, é bonita e protetora. Por isso, é tão cruel quando inocentes vão parar na cadeia. Isso infelizmente, não é raro.
2 mil pessoas foram presas nos EUA por erros da Justiça Americana
Somente nos EUA, desde 1989, quase 2 mil pessoas foram para a prisão por um crime que jamais cometeram. Em média, passam 8,8 anos na cadeia até serem inocentados. No Brasil, em 2013 no Rio de Janeiro (onde há dados disponíveis), 14% dos presos provisórios acabam libertados sem condenações.
Acusações falsas, erros de polícia, identificações equivocadas e evidências mentirosas – nessa ordem – são os maiores motivos de prisões erradas nos EUA. No Brasil, a coisa é ainda pior. Segundo Ilana Casoy, autora de Serial Killers Made in Brazil, o depoimento aqui vale mais que evidências.
“O direito no Brasil é a pedido. Se você não pedir o teste, a Justiça não se movimenta”, conta. Muitos casos são julgados a partir de um único testemunho. O resultado são incontáveis erros da Justiça. Conheça aqui alguns.
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Erros da Justiça: vítima é presa e condenado por estupro por parecer com criminoso
Pedro Meyer Guimarães tem os olhos castanhos, sobrancelhas marcantes e um generoso bigode negro. Um homem magro, moreno, de 1,70m. Pedro atravessou a década de 1990 incólume, enquanto pelo menos 15 casos de estupro de crianças e adolescentes de 6 a 19 anos, em Belo Horizonte, se empilhavam nos arquivos da Polícia Civil.
As vítimas eram encontradas brincando perto de suas casas. Pedro se aproximava com um sorriso nos lábios e depois, armado, as estuprava. Foi o retrato falado de Pedro que levou à prisão de um homem igualmente magro e moreno, de olhos castanhos, sobrancelhas marcantes e um generoso bigode negro.
Eugênio Fiúza de Queiroz: um sósia. Eugênio estava em uma praça em agosto de 1995, quando uma adolescente caminhava por perto parou, petrificada. “É ele”, apontou. A garota procurou a polícia e indicou Eugênio. O artista plástico foi intimado e levado à delegacia. Lá, graças à semelhança física com Pedro, outras oito vítimas o reconheceram.
Um mês depois, a Justiça decretou a prisão preventiva de Eugênio. Ele alegou inocência desde o primeiro minuto, mas acabou acusado de nove estupros. Foi considerado culpado por 5 e condenado a 37 anos de prisão. Cumpriu mais de 18 anos de pena.
Preso apenas pelo reconhecimento visual da vítima
O reconhecimento visual foi o suficiente para condenar Eugênio. E o pior: apesar de sua prisão, os estupros continuaram acontecendo, com o mesmo bigode e a mesma arma. Até 29 de março de 2012.
Foi nessa data que uma mulher, passando pelo bairro Anchieta, reconheceu Pedro Meyer Guimarães, o homem que a violentara em 1997. Depois da primeira, Pedro foi apontado por outras 15 mulheres, que foram espontaneamente à delegacia para pedir um novo reconhecimento nos respectivos casos. Entre elas, quatro mulheres que haviam indicado Eugênio. Elas voltaram atrás e pediram para mudar seus depoimentos.
“A memória não é máquina fotográfica”, diz a psicóloga Lilian Stein. Autora de Falsas Memórias, ela estudou a importância do testemunho e do reconhecimento em casos de crime. Segundo Lilian, os registros guardados no cérebro podem sofrer perdas e distorções naturais. “Mas falsa memória não é mentira. A pessoa realmente acredita que aquilo aconteceu – o que é diferente de um falso testemunho proposital”.
Estuprador é condenado por menos tempo que o sósia
Em 2013, Pedro acabou condenado pelo estupro de uma única menina de 11 anos e sentenciado a 13 anos (bem menos tempo do Eugênio). Após a prisão de Pedro, saltaram aos olhos as inconsistências nas investigações sobre Eugênio.
“No Brasil, a palavra do acusado não é valorizada. No caso do Eugênio, não tinha testemunha, não tinha DNA. A voz dele só foi ouvida quando prenderam o verdadeiro autor”.
Diz Wilson Hallak Rocha, defensor público. Eugênio pediu diversos recursos para reabrir o caso, sem sucesso. Em 2014, a Defensoria Pública de Minas Gerais assumiu o caso, abrindo cinco ações de revisão criminal – e três foram julgadas procedentes. Hoje, Eugênio está solto. Aos 66, o artista plástico está grisalho e teve paralisada parte do rosto.
Pelo tempo que passou na prisão, Eugênio está pedindo indenização. Em julho de 2016, a Justiça lhe concedeu cinco salários mínimos mensais, enquanto espera a indenização final. Pedro, o verdadeiro culpado, finalmente está preso.
Erros da Justiça: falso testemunho e má conduta policial
Em 1991, em Bloomington (EUA), o filho caçula de Jamie Snow, de apenas 1 ano, abria ovos de Páscoa pela primeira vez. A família – mãe, pai e três filhos – morava em um trailer e, naquela noite, caminhou até a casa da avó para jantar.
Do outro lado da cidade, às 20h, Gerardo Gutierrez estava na loja de conveniência de um posto. Ele viu o jovem atendente, William Little, discutir com outro homem. Minutos depois, Little estava no chão, baleado. U$$ 60,00 haviam sido roubados.
Quando a polícia encontrou o corpo, outro homem, Danny Martinez, apareceu na cena do crime, dizendo que havia visto um suspeito: um homem de calça jeans, jaqueta e boné. Gutierrez também apareceu para ajudar a criar o retrato falado. A polícia mostrou fotos de vários homens com ficha suja na polícia – entre eles, Jamie Snow. Mas ninguém reconheceu Jamie.
Condenado por causa dos seus antecedentes criminais
A foto dele só estava lá por causa de seus antecedentes criminais. Snow havia passado uns dias na cadeia anos antes por pequenos delitos. Quando a polícia bateu na sua porta, ele não acreditou. “Eu estava na minha sogra. Nunca nem havia pisado no posto”, diz.
Sem qualquer pista, o caso ficou aberto por seis anos, quando a polícia surgiu com a teoria de que Jamie era o assassino e havia levado sua cunhada, Susan Claycomb, como cúmplice. A polícia encontrou várias testemunhas incriminando os dois. Para piorar, Martinez agora dizia que Jamie era o homem que ele havia visto no posto.
Advogado erra e não convoca testemunhas
Assim, Jamie e Susan foram presos em 1999, e levados a julgamento. “Na prisão, policiais me fizeram uma proposta: eu seria solta se confirmasse a participação de Jamie no crime”, contou Susan em um vídeo. Susan não aceitou, mas Jamie dançou. Seu advogado (que perderia a licença anos depois por alcoolismo) não convocou testemunhas para inocentá-lo. Ele acabou condenado à prisão perpétua em 2001.
De lá para cá, 15 testemunhas que o incriminaram se retrataram. Em 2008, o Projeto de Exoneração da Universidade de Illinois assumiu o caso, e luta por testes de DNA com as impressões digitais recolhidas. Até agora, todos os pedidos foram negados.
Erros da justiça: desconsiderar álibi e admitir provas falhas
Era domingo, 28 de março de 2004. Santos e São Caetano empatavam no Pacaembu por 3 a 3. A poucos passos do estádio, o cineasta Luiz Carlos Rugai e sua mulher Alessandra Troitino eram assassinados a tiros. Poucos dias depois, Gil Rugai foi preso para ser levado a júri popular, acusado de matar o pai e a madrasta.
O julgamento foi em 2013 e durou cinco dias. Desta vez não houve empate: por 4 a 3, o estudante foi considerado culpado e condenado a 33 anos de prisão. A acusação levantou indícios fortes contra Gil.
Encontraram:
1) arma;
2) motivo e;
3) oportunidade para o assassinato – a tríade para desvendar crimes nas séries americanas. Mas a defesa não compra sua versão. Vamos entender.
Elementos do crime
- A arma. Onze tiros de pistola 380 foram disparados. A arma foi encontrada no poço do esgoto do escritório onde Gil trabalhava – mas mais de um ano após o crime, em junho de 2005. A defesa diz que a pistola foi plantada.
- O motivo: Gil trabalhou na contabilidade da Referência Filmes, produtora do pai, e teria desviado R$ 100 mil da empresa. Desesperado, teria matado o pai. A defesa revisou a contabilidade da empresa e não encontrou o desfalque de dinheiro.
- A oportunidade: o crime aconteceu na casa da família Rugai, que estava arrombada. Gil tinha as chaves e não precisaria derrubar a porta.
A defesa definiu o horário do crime com base em ligações feitas por vizinhos no dia. Há registros de chamadas entre 21h54 e 22h14. Às 21h54, um vizinho dos Rugai ligou para o vigia da rua, dizendo ouvir disparos. O vigia não deu importância, pois pensou que viessem do Pacaembu.
Às 22h13, o vizinho ligou mais uma vez, pois ouviu mais uma série de disparos. Às 22h14, outra vizinha ligou para a polícia, também relatando tiros. Mas eis o pulo do gato. Segundo a defesa, Gil não estava em casa nessa hora. Ele havia passado na casa de amigos no fim da tarde, e depois caminhou pela Rua Frei Caneca, quando começou a chover.
Relatos do fato no momento do crime
Na hora do crime, decidiu ir para seu novo escritório, nos Jardins, para adiantar afazeres da semana. “No escritório, encontrou a mulher do zelador, que narrou que ele chegou molhado, trocou de roupa e se sentou ao telefone, marcando jantar com amigos. Todos esses detalhes foram confirmados por testemunhos”, afirma o advogado Thiago Gomes Anastásio, que defendeu Gil de graça via Instituto de Defesa do direito de Defesa.
Ele tem mais uma conta telefônica na manga: às 22h12, Gil estava conversando com uma amiga, a partir do telefone do escritório. Outro calcanhar de Aquiles da acusação está no pé na porta. A perícia confirmou que a marca do sapato que arrombou a porta da casa era de Gil. Mas a perícia foi feita por uma sapataria de bairro, vizinha de um dos investigadores.
A defesa afirma que o pé de Gil é muito menor – foram apreendidos dez pares do suspeito, nenhum compatível com o chute. Tanto a porta quanto o sapato se perderam no processo e não foram para o tribunal.
Criminóloga Ilana Casoy inocenta Gil Rugai
“Gil é esquisito e introvertido. Não é simpático. Mas isso não é crime, né?”, questiona Ilana Casoy, criminalista e autora de Serial Killers Made in Brazil, que também atua na defesa de Gil. Entre 2004 e 2016, Gil saiu e voltou da cadeia diversas vezes por meio de liberdades provisórias.
Conheça na entrevista um pouco mais sobre Ilana Casoy e as suas obras:
Cada ida e vinda virou notícia. Agora a defesa encaminhará o caso para o STJ e o STF, para analisar se o direito de defesa do acusado foi cerceado. A expectativa é um novo julgamento. O motivo.
Erros da Justiça: falha de perícia
Em abril de 1991, Ashley Shepherd ligou para o serviço de emergência de Toronto, Canadá. Kasandra, a filha dele de apenas 3 anos, começou a vomitar e ficou inconsciente. “Preciso de ajuda! Minha filha está dura”, berrou. A criança morreu dois dias depois.
Na época, Kasandra vivia com o pai, a madrasta Maria e outros três irmãos. No dia em que morreu, Maria escutara um barulho no quarto das crianças. Correu para lá e encontrou Natasha, de 2 anos, caída da cama.
No desespero, para ajudar, Maria deu um leve empurrão em Kasandra para tirá-la do caminho. Nada muito violento. Mas o suficiente para deixar um hematoma na nuca. Foi esse hematoma que Charles Smith, famoso patologista forense, usou para explicar a morte da menina durante a necrópsia.
Advogado age acreditando estar em uma causa perdida
No relatório, concluiu que o empurrão de Maria que usava um relógio de pulso, causou um inchaço cerebral em Kasandra, que levou a uma parada cardiorrespiratória. Maria, portanto, era culpada. A madrasta negou o crime. Mas seu advogado não via saída. Era impossível vencer o renomado Smith no tribunal.
Ele recomendou que ela assumisse a culpa e cumprisse só dois anos de pena. Assim, ficaria com os filhos. Ela topou e foi presa. A vida pós-prisão foi dura. “Eu não tinha coragem sequer de me candidatar a um emprego no McDonald’s”, contou Maria a um Jornal canadense. Por anos, tentou provar a inocência, mas a reputação de Smith era imbatível.
Inúmeros erros nos laudos periciais
Até o dia em que não foi. Depois de mil perícias feitas em crianças mortas e 13 prisões por conta de seus testemunhos, Charles Smith começou a cair em descrédito. Um estudo de outro médico sobre as autópsias de Smith mostrou erros em seus laudos (só para se ter ideia, em outro caso, o médico concluiu que um bebê tinha sido assassinado pelos pais a facadas, quando na verdade havia sido mordido por cachorros).
Assim, a Justiça canadense concluiu que “Smith não tinha conhecimento básico sobre patologia forense”. O médico perdeu a licença. Maria foi absolvida em fevereiro de 2016: Kasandra havia morrido de causas naturais.
Erros da justiça: desconsiderar testemunhas e aceitar provas falhas
Sexta-feira era o dia de Laurese Glover ligar para a avó. Ainda que as ligações da prisão fossem caras, ele nunca deixava de fazê-las. Em 2004, a última coisa que ela disse foi: “eu te amo, seja um bom homem”. E desligou.
Laurese não entendeu nada. Esse não era o tipo de coisa que ela falava. Alguns dias depois, recebeu a notícia: ela havia morrido. “Eu queria estar do lado dela e não podia. Nada foi pior que isso”, conta Laurese.
Pior mesmo só o dia em que Laurese e dois amigos, Derrick Wheatt e Eugene Jonhson, passaram no lugar errado na hora errada. Às cinco da tarde, em fevereiro de 1995, Laurese dirigia até a casa de um amigo para curtir a noite de sexta-feira em Cleveland, EUA. Foi quando escutaram tiros logo atrás deles. Viram um homem atirar e o outro cair. Não pensaram duas vezes, aceleraram o carro e saíram em disparada.
Quando o jovem Clifton Hudson foi assassinado com cinco tiros, Tamika Harris passava a pé por um viaduto. Ao escutar os disparos, Tamika olhou para baixo. Viu o carro de Laurese e seus amigos virar à direita e desacelerar ao quase bater em um veículo.
Atrás deles, vinha um menino com calças pretas, casaco vermelho e capacete preto. Quando a caminhonete voltou a acelerar, o atirador desapareceu. Tamika contou à polícia que provavelmente ele tinha entrado no carro. Outras duas testemunhas descreveram a mesma cena e o mesmo atirador, mas não o viram entrar no carro.
Poucas horas depois, a polícia encontrou o carro de Laurese e levou todos à delegacia para prestar depoimentos. As testemunhas viram fotos dos três rapazes. Apenas Tamika reconheceu um deles como o atirador: era Eugene Johnson. Para piorar, a polícia encontrou resíduos de pólvora nas mãos do outro amigo, Derrick Wheatt – mas não no carro. No ano seguinte, os três foram condenados à prisão perpétua.
Quase 15 anos depois, advogados do Ohio Innocence Project aceitaram o pedido dos três homens para revisar o caso. Àquela altura, a testemunha Tamika já havia voltado atrás sobre Eugene. Ela não sabia se Eugene era mesmo o atirardor.
Em 2014, apresentaram à juíza um novo argumento: a pólvora nas mãos de Derrick poderia ter surgido na viatura e na delegacia. “Estudos mostram que delegacias americanas são cheias de resíduos de arma de fogo. Esse risco de contaminação é tão sério que o FBI parou de fazer e considerar esses exames como prova há muito tempo”, explica Brian Howe, advogado do Innocence Project. A Juíza recusou o recurso e o novo julgamento.
Apenas em 2014 os três ganharam uma nova chance. É que os advogados haviam descoberto duas testemunhas ignoradas antes no caso, que não viram ninguém entrar no carro de Laurese e que não prestaram depoimento.
Em agosto de 2016, 20 anos depois do crime, Laurese, Derrick e Eugene, enfim, conseguiram revogar a pena. “Nos primeiros dias de liberdade, ficava feliz apenas de poder ir até a geladeira e pegar o que eu quisesse”, diz Laurese.
Erros da justiça: falta de indícios
Foi questão de minutos. Enquanto os pais dormiam, a filha de 9 anos foi tirada do quarto, arrastada para o quintal e estuprada em setembro de 2003, em Manaus. Quando a polícia perguntou, o pai logo suspeitou de quem cometeu o crime: seu vizinho Heberson Lima de Oliveira, um ajudante de pedreiro moreno e alto que andava sumido das redondezas.
Na verdade, o pai da vítima já andava com o pé atrás com Heberson por outro motivo: ele havia gastado R$ 50 que seriam do vizinho para beber. Dias depois, o pedreiro foi preso. A prisão provisória durou 741 dias (embora a lei bote o limite em em 81). Casado, pai de dois filhos, o suspeito não tinha antecedentes criminais.
Na noite do crime estava do outro lado da cidade, na casa da mãe – mas ninguém ouviu sua versão. Nem mesmo o fato de a vítima ter descrito o criminoso como loiro, baixo e banguela – nada a ver com Heberson – adiantou.
Preso injustamente contraiu vírus do HIV após ser violentado por 60 detentos
A menina de 9 anos se viu encurralada para reconhecer o pedreiro como agressor, e assim o fez. Heberson ficou na Unidade Prisional do Puraquequara entre 2003 e 2006 esperando julgamento. Lá dentro, como costuma ser em casos desse tipo, foi violentado diversas vezes por outros detentos, e acabou contraindo o vírus HIV.
“No Brasil, o valor dado a provas técnicas, como DNA, impressões digitais e laudos, ainda é muito frágil. Muitas vezes, um único testemunho condena um réu”, lamenta Bruno Langeani, coordenador da área de Justiça do Instituto Sou da Paz.
“A violação da presunção da inocência é constante no País. Recentemente escutei de um juiz que, para ele, mais vale um inocente preso que um acusado solto”, diz o advogado criminalista Diego Bayer, professor do Centro Universitário – Católica de Santa Catarina.
Heberson foi liberado em maio de 2006, após investidas da Defensoria Pública, que destacou a insuficiência de indícios no caso. Ele foi absolvido por falta de provas, mas está deprimido, desempregado e doente.
A defesa pede R$ 150 mil de indenização. “Mas, como alegria de pobre dura pouco, ainda estamos aguardando o resultado”, dia sua defensora pública, Ilmair Siqueira.
Veja a história de Heberson, no vídeo abaixo:
Erros da justiça: falsa confissão, falso testemunho e má conduta policial
Anthony Wright Via TV com a namorada em um domingo à tarde quando dois policiais bateram na sua casa na Filadélfia, EUA. Louise Talley, de 77 anos, havia sido estuprada e assassinada a facadas em uma casa a poucos metros dali. A polícia estava lá para pedir que ele colaborasse na investigação e fosse até a delegacia.
Três horas depois, Anthony assinava uma carta de confissão de nove páginas, dizendo que havia matado a senhora e dando detalhes até sobre a roupa que usou no crime. Em junho de 1993, ele escapou da pena de morte, mas pegou prisão perpétua.
Quatro anos antes, Anthony já havia sido condenado por roubo e por ter quebrado a mandíbula de um policial durante a fuga. Por isso, os policiais se lembraram dele na hora que descobriram o corpo da senhorinha.
Naquela tarde de interrogatório, Anthony disse que não tinha nada a ver com o assassinato. Disse que havia trabalhado até tarde no dia anterior, voltado para casa, tomado banho e saído para dançar. Mas os policiais não quiseram saber – disseram que o espancariam caso ele não confessasse.
Sem saída, Anthony assinou a confissão pensando em denunciar os policiais quando saísse da delegacia. Horas depois, os policiais foram até a casa da mãe de Anthony, para fazer apreensões e levaram o macacão de trabalho do filho.
No tribunal, os investigadores apresentaram o susposto traje de Anthony com manchas de sangue de Talley – só que não era a roupa dele. Além da “prova”, ainda havia o testemunho de Roland Saint James, um traficante do bairro. Ele disse que Wright o havia convidado para participar do crime, e ficar esperando em frente à casa dela para que pudessem fugir.
Anthony negou todas as acusações e refutou as provas. As roupas e os sapatos apresentados sequer eram do tamanho que ele usava – eram dois números acima. De nada adiantou. Anthony foi para a cadeia, onde ficou 25 anos.
Durante todo esse tempo, ele ficou enviando cartas para a imprensa e advogados que pudessem ajudá-lo. Uma delas foi parar nas mãos certas. O Innocence Project, instituição que defende pessoas inocentes que foram parar na cadeia, aceitou o caso dele. E conseguiu realizar exames de DNA nas roupas e no sêmen encontrado na vítima.
Ficou provado que as roupas apresentadas pelos detetives durante o julgamento eram, na verdade, da própria Talley e que o sêmen encaixava com o de Ronnie Byrd, outro traficante de crack da região.
“Não foi difícil defendê-lo e provar que um ou mais policiais cometeram erros muito grandes de conduta”, disse a advogada Nina Morrison à Rolling Stone no ano passado. Depois de 25 anos preso, Anthony finalmente conseguiu um novo julgamento e foi inocentado em agosto deste ano.
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Erros da justiça: falha na interpretação de texto.
Na noite de 14 de maio de 2008, um homem se machucou pulando o muro de uma casa vazia em Lajeado, RS, e estuprou uma mulher que chegava em casa com a mãe. A estudante universitária L.L.D foi rendida com uma faca, e violentada.
Mas ela foi sagaz: simulou uma crise de asma, o que assustou o algoz. Ele fugiu, roubando objetos da casa – e deixando para trás uma mancha de sangue na cama. Algum tempo depois, o DNA dessa mancha seria analisado.
Anote o resultado na cabeça: não era o sangue de Israel de Oliveira Pacheco. Ainda assim, no dia 29 de maio de 2008, policiais civis bateram à porta de Israel, que concordou em ir à delegacia para reconhecimento.
Lá, descobriu que era suspeito de assalto e estupro. A gota d’água veio em seguida: através do vidro, a jovem L.L.D reconheceu Israel. Definitivamente era ele. Ou não era? A estudante reconheceu Israel, mas sua mãe não teve tanta certeza, e apontou para outro suspeito enfileirado atrás do vidro: Jacson Luís da Silva.
Foi esse Jacson, que frequentava a mesma faculdade da vítima, que havia levado a polícia a Israel. Jacson estava com os objetos roubados da casa, e, ao acusar Israel, se livrou da suspeita de estupro.
Identificado pela vítima, Israel foi para a cadeia. Até que a defensoria teve a ideia de testar o sangue do lençol. O resultado você já conhece: era possível “excluir que o material biológico pertença ao suspeito Israel de Oliveira Pacheco”.
Ainda assim, os desembargadores decidiram não aceitar a nova prova, dizendo que a mancha pertencia, sim, ao acusado. “Eles não viram a palavra ‘excluir’ do laudo. Sim, eles leram errado”, diz Tiago Rodrigo dos Santos, defensor público de Israel.
Israel foi condenado e ficou na cadeia até 2012, quando o caso foi reaberto. A amostra de sangue do crime finalmente foi comparada a um banco de DNA gaúcho e o resultado foi enfático: pertencia a Jacson Luís da Silva.
Em 2015, houve mais uma tentativa mal sucedida de rever o caso. Mas Israel segue condenado por um crime que o DNA jura que ele não cometeu. E agora?
Fonte: Superinteressante, edição 366.
Reportagem: Juliana Sayuri e Felipe Floresti.